As últimas décadas do século 20 foram o palco de um florescimento cultural particular no sul da Europa, que levou a uma rápida modernização desta região. Uma série de movimentos de contracultura moldaram o que viria a ser a cultura contemporânea nesta parte da Europa, especialmente na Península Ibérica, fomentada pela implementação de duas democracias.
Esta investigação sobre a cultura visual e o design gráfico centra-se na emergência da cultura contemporânea no contexto da implementação de sistemas democráticos na Península Ibérica no final do século 20. Portugal e Espanha partilham não só uma história complexa e secular, mas também contextos peculiares no final da década de 1970: o fim dos regimes totalitários em Portugal, em 1974, e em Espanha, em 1977. Ambos os países partilham pesadas heranças coloniais, raízes latinas, forte domínio católico e, fundamentalmente, a distância geográfica da Europa Central e seus centros culturais.
Uma complexa cultura de transição atravessou os dois países no difícil processo de superação de décadas de pobreza, censura e costumes e hábitos sociais subdesenvolvidos. Em circunstâncias semelhantes, Portugal e Espanha foram levados a acompanhar o ritmo do desenvolvimento europeu: com a implementação de políticas democráticas, o crescimento económico e a melhoria social, a emergência da cultura popular, a consolidação de hábitos de consumo e a abertura à diversidade cultural.
Essas transformações ocorreram no âmbito do debate pós-moderno, uma reação ampla e complexa à ideologia modernista, na qual objetos e autores estavam profundamente engajados politicamente e todas as formas de autoridade e estabelecimento de poder eram ferozmente questionadas. A introdução de debates alternativos sobre género, o ambiente, as minorias culturais, alta cultura versus cultura popular foram também uma manifestação deste período de transformação cultural. Uma ampla gama de referências gráficas foram evocadas: símbolos vernaculares, referências históricas, estilos retro, o pastiche e a paródia, gráficos digitais, o techno, o punk, o grunge, numa época de rápidos desenvolvimentos tecnológicos.
Consciente das relações pouco estudadas e pouco exploradas entre os movimentos que surgiram após uma fase tão determinante do desenvolvimento destes dois países do Sul da Europa e o design – que foram essenciais para moldar a cultura visual atual – este projeto propõe um esforço conjunto de investigadores e instituições diversas, a fim de
traçar, desafiar, nutrir e partilhar um fascinante legado de património cultural na Europa.
Devido à sua natureza multidimensional, o leque do estudo é amplo e diversificado. Propomos a sua implementação com base em temas-chave relevantes para a compreensão da complexidade deste período histórico e cultural. Os pontos de convergência de todos os ramos são os objetos gráficos produzidos no âmbito de cada tema, bem como outras formas de materiais visuais. A cultura visual conta com uma variedade de dispositivos gráficos utilizados para fazer uma linhagem crítica deste momento histórico: folhetos, jornais, revistas, cartazes, panfletos, fanzines, grafites ou pinturas murais, banners (artesanais), entre outros. Dada a natureza específica de cada tema, também podem ser considerados meios complementares, como filmes, videoclipes e anúncios televisivos.
Sem Transição: Modernismo, Antimodernismo, Contramodernismo e Pós-modernismo
A longa duração das ditaduras em ambos os países (Espanha 1939-1975, Portugal 1933-1974), interferiu na livre circulação de valores e artefactos, quer de ordem social e cultural. O fluxo "espontâneo" da ideologia modernista que provinha da Europa Central não teve uma expressão oficial e plena nos países ibéricos, em parte devido aos eficientes mecanismos de censura operados pelos regimes totalitários e também devido às tradições culturais nacionais de longo prazo baseadas no excepcionalismo histórico. As consequências destas condições culturais tiveram impacto na cultura visual e na sua emancipação no contexto destas democracias recentemente implementadas.
Movimentos subculturais na Península Ibérica
As políticas democráticas tornaram-se cada vez mais tolerantes e permitiram a expressão de vários movimentos subculturais no espaço público. A emancipação moral dos hábitos mundanos levou à proliferação de comportamentos sociais, outrora marginalizados pelos regimes tardios. Liderados maioritariamente por jovens gerações, estes movimentos eram profundamente grupais, coletivos, locais, libertários, urbanos e A ficar oculto na 1ª versão tomaram as ruas, a vida noturna, o underground das cidades para reivindicar o seu direito de expressão. As dinâmicas anti-ditaduras, lideradas por estudantes, trabalhadores e intelectuais, muitas vezes reunidos em organizações clandestinas, logo foram confrontadas por processos aparentemente menos politizados que se tornaram modos de expressão micropolítica, como shows de punk rock, desfiles de drags, desfiles de moda, grupos ecologistas, círculos feministas, boates, festas rave e outros que emergiram em todos os centros urbanos, contribuindo para importantes mudanças culturais. Embora existindo principalmente contra a corrente, foi a cultura gráfica que muitas vezes facilitou a comunicação, a auto expressão e a expressão coletiva, bem como o sentimento de pertença destes grupos.
A Revisão feminista / Histórias apagadas
Desafiando uma perspetiva histórica dominada pela representação masculina no campo do design gráfico, que levou a uma esmagadora sub-representação das mulheres na história do design gráfico e da cultura visual, este estudo abre caminho para a inscrição de mulheres e outras pessoas ignoradas na história do design gráfico durante este período na Península Ibérica.
Os processos de descolonização ocorreram em condições diferentes em ambos os países, com impactos variados nos países colonizados e seus cidadãos. Levou à emergência de novas formas de expressão e ajudou também a abrir estas sociedades a novas ideias e influências. Em Portugal, o processo ocorreu abruptamente no rescaldo da Guerra Colonial, cuja uma das consequências mais imediatas foi o regresso de milhares de famílias emigrantes portuguesas a África. Os "repatriados" contribuíram para ampliar a diversidade social e a cultura visual, trazendo valores mais tolerantes e comportamentos menos conservadores em relação às minorias raciais e de género. Em Espanha, o período de transição ocorreu com pouca reflexão sobre o passado e o presente coloniais, como visto no Saara Ocidental e nos enclaves espanhóis em Marrocos, muito menos em relação à memória colonial americana. No entanto, o intercâmbio cultural entre vários países americanos e a Espanha, especialmente devido à migração de milhares de pessoas que fugiam de ditaduras no continente sul-americano, levou a importantes desenvolvimentos no campo do design gráfico e da edição.